Saudades de um amigo: Marea Weekend 2.4 HLX

Saudades de um amigo: Marea Weekend 2.4 HLX

outubro 16, 2016 Off Por Fernando Naccari

Era meados de 1998, o Brasil há pouco havia perdido uma Copa do Mundo para a França e o povo estava desolado. Eu, bom, eu não entendia muito bem o que significava tudo aquilo e, pelo o que eu me lembro, pouco senti. A única  coisa que me marcou foi minha mãe ter me proibido de riscar o chão de casa com giz, pois não era mais legal desenhar o mascote da copa.

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Decepcionado, larguei os giz e fui para a TV assistir meus desenhos e, no intervalo de um deles, vi um comercial que mal eu sabia que mudaria minha vida e, de certa forma, moldaria meu futuro, minha profissão e minha paixão por carros:

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Sabe aquela coisa de amor à primeira vista? Então, foi o que aconteceu comigo. Com apenas 10 anos de idade eu tive a certeza do que eu queria, só não sabia como fazê-lo…

Meu pai trabalhava duro, muitas vezes eu dormia antes dele chegar do trabalho e, quando acordava, ele tinha saído para a labuta. Mesmo assim, em nossa garagem, tínhamos um carro com mais de 20 anos de uso e, sua principal qualidade era um adesivo do “Bad Boy” feito de fita isolante e que cobria mais da metade da área envidraçada traseira.

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Os anos passaram, conclui o ensino médio e iniciei meu curso técnico em automobilística, pois já tinha decidido: eu queria trabalhar com carros. Foi lá que comecei a ouvir as primeiras histórias sobre o Marea e, quase como uma unanimidade, diziam que ele era um carro ruim, tinha um motor frágil e tê-lo seria uma loucura.

Mas, como dizia Nelson Gonçalves, toda unanimidade é burra e decidi que não desistiria do meu sonho. Claro, minha vida não se limitava apenas a ele, mas como apaixonado por carros, também criei outros amores, como os V8 americanos, os clássicos japoneses e os incríveis esportivos alemães e italianos.

Primeira compra

Assim como a maioria das pessoas, meu primeiro carro foi um Volkswagen, mais precisamente um Gol 1.6 CLi da primeira geração.

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Foto ilustrativa – Crédito: Reginaldo de Campinas

A conquista do “carro próprio” me fez sentir que eu tinha liberdade e que tinha todo um mundo para percorrer, embora isso fosse bastante limitado para um estudante de engenharia, bolsista e que ganhava pouco mais que um salário mínimo, na época.

Esta liberdade durou pouco, cerca de um ano e meio até que, em um acidente, um caminhão levou parte do meu carro embora, cortando parte da longarina dianteira direita e, com ela, a minha diversão.

Próximas etapas

Bom, minha vida voltou ao normal e, por cerca de dois longos anos eu fiquei sem carro, e confesso que foi uma das épocas mais difíceis da minha vida. Ao fim deste período, em um puta “negócio da China” e, de certa forma, inacreditável, adquiri um Uno Fire 2004. O carro era seco de tudo, não tinha vidros elétricos, ar-quente e nem mesmo rádio, mas era negócio de oportunidade e isso era bem melhor do que continuar andando a pé.

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Foto: silvacarveiculos.blogspot.com

Para um apaixonado por carros, o Uno Fire não era o melhor dos “Unos”, afinal, já fazia muito tempo que as séries R e Turbo haviam sido deixadas de ser produzidas. Mas meu “bengador” tinha suas qualidades: devido ao baixo peso, apesar de ser 1.0, era bem ágil e econômico. Porém, com ele também não fiquei muito tempo. Não era o que eu precisava, que eu sonhava e, um problema mecânico, foi decisivo para seguir outros rumos.

Sonho realizado

Como era meu costume, e que continua sendo, olhava em sites especializados na venda de veículos, carros dentro de uma determinada faixa de preço que eu me via apto a pagar e, é claro, com os opcionais que me interessavam. Nestas pesquisas, o Fiat Marea era um dos que mais aparecia na faixa de preço que eu podia pagar, mas eu sempre flertava sem firmar namoro. Até que um dia, encontrei uma rara unidade de um Marea Weekend HLX 2.4 20V manual com teto solar elétrico.

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Todas essas letras e siglas me fizeram um “boom”, seguido de uma vontade intensa de clicar no link do anúncio. Quando retomei a consciência, já estava lá admirando o carro foto-a-foto e senti que seria minha oportunidade de realizar o antigo sonho de criança. Liguei na hora para minha noiva – filha de mecânico e cansada de ouvir falar mal dos Mareas por aí. De início ela só não me chamou de santo, mas insisti tanto que ela aceitou olhar o link do anúncio do carro.

– “Amor, acho bom você ligar para o moço e marcar de ver o carro. Eu gostei muito dele”.

Pensei perplexo, “ela está falando sério?”, mas achei melhor não questionar muito para que ela não mudasse de ideia. Peguei o telefone, estava trêmulo ‘pacas’ e liguei. Do outro lado da linha, me atendeu um senhor de mais de meia idade, o tal proprietário do Marea dos meus sonhos.

Conversamos e marcamos de ver o carro no estacionamento de um shopping de São Paulo em um sábado à tarde. Só sei que daquela quarta-feira em diante, os dias não passavam, e minha ansiedade só aumentava.

Quando veio o tão sonhado dia, cheguei mais cedo no local e fiquei aguardando inquieto o momento de ver o carro. Até que vi, em uma das vagas estacionadas, aquele azul clássico dos Mareas e, dentro do carro, um casal de idosos que logo fiquei conhecendo a história.

O senhor José me contava que estava com o carro há oito anos e era segundo dono e blá blá blá… sério, me lembro pouco, eu só olhava para o carro e em como ele estava em excelente estado de conservação.

Fiz o máximo que pude para não deixar evidente que eu estava impressionado, e logo conversamos para que eu pudesse dar uma volta. Peguei a chave de suas mãos, dei partida e o ronco grave do cinco cilindros Fivetech invadiu a cabine do veículo. Para mim era um ronco ensurdecedor, mas na realidade estava mais para um tom grave baixo, quase imperceptível.

O motor não vibrava, a cabine não vibrava. Pisei no pedal esquerdo – leve como uma almofada de penas – engatei a primeira marcha e saí com o carro da vaga. Só nesse ritual, já senti que aquele carro tinha que ser meu. Dei um sorriso de canto de boca (no lado oposto ao do até então proprietário, para que ele não percebesse) e ganhei as ruas da Marginal Tietê em São Paulo-SP.
 

O carro não tinha ruídos, suspensão silenciosa e confortável, ar-condicionado gelando (que depois descobri que somente ele funcionava, mas o ar-quente, não), teto-solar abria e fechada com toques suaves em seu botão de acionamento, rádio integrado ao painel com comandos no volante… bom, tudo me agradava.

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José, empolgado, me falava: “Pode acelerar, acelera para você sentir o carro” e eu pensava: “Já estou embriagado com esse ronco, é melhor eu não provar desse veneno por enquanto”.
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Voltamos ao shopping, combinamos de marcar uma nova data para acertar os detalhes da compra e fecharmos na semana seguinte, mas José me alertou (como bom vendedor que era, valorizando o produto) que viria naquele fim de semana uma pessoa de Porto Alegre para ver o carro.

Os deuses do ciclo Otto atenderam minhas preces e deu tudo certo para mim, e de errado para o suposto gaúcho, e na semana seguinte eu já fui buscar o carro junto com meu pai, companheiro de todas as horas quando o assunto é carro.

Quando José me entregou as chaves do carro, era evidente a tristeza no seu rosto, quando ele me disse: “Infelizmente só estou vendendo devido a uma dívida que preciso quitar de uma pizzaria que abri em sociedade com meu filho. Eu não queria vendê-lo, mas a necessidade quis assim e espero que você seja tão feliz quanto eu fui com esse carro”, nessa hora seus olhos encheram de lágrimas e os meus quase, me senti um pouco mal por ele, mas sabia que a vida dava voltas e era chegada a hora daquele carro me fazer feliz.

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E fui! Durante um bom tempo muito feliz com meu carro, meu sonho, com aquele motor e aquele conforto. Aquele ronco – feito o baixo de Steve Harris no riff de The Clairvoyant do Iron Maiden – me fazia o homem mais feliz do mundo, junto àquela potência absurda para as ruas brasileiras.

[youtube https://www.youtube.com/watch?v=CdWA-SNcYpM]

Realmente, o Five-Tech é dono de um dos roncos mais bonitos entre os carros que já rodaram por aqui, quem discorda?!

[youtube https://www.youtube.com/watch?v=pzs_gkzWghg]
Créditos ao autor do vídeo

Após algumas aventuras, como uma bateria que acabou de uma hora para outra e um pedal de embreagem que se soltou, devido ao desgaste de uma bucha, veio a má notícia: as dívidas da rotina de um casal prestes a se casar fariam com que o Marea tivesse que ser vendido.

Foi um baque! Me imaginava ingenuamente com aquele carro como um membro da família, que seria passado de geração-em-geração e veria meus filhos andarem nele… mas não foi bem assim e ele precisaria dar adeus.

Depois de uns dois meses de um vende-não-vende, no dia 18 de agosto de 2014 ele foi embora. Foi morar no interior de São Paulo junto com um garoto entusiasta do mundo automotivo. Apaixonado por carros talvez tanto quanto eu, ou não, mas prefiro não pensar muito. Pretendo pensar que ele foi um daqueles parentes próximos que deixou muitas coisas boas por aqui, mas partiu para um caminho sem volta que um dia todos iremos enfrentar.

Meu Marea se foi e, ao contrário do que é espalhado, meu Marea não me deu “duas alegrias” (uma na compra e outra na venda). A compra foi só sorrisos e a venda foi como se parte de mim fosse embora. Foi bom e intenso enquanto durou, mas ficará marcado comigo como um sonho realizado, como um dos milhares que ele me ajudou a conquistar e muitos outros que ainda hei de realizá-los nessa vida.